Mostrar arquitectura a quem a quer ver, de forma gratuita e informal. Abrir as portas de edifícios privados ou retirar o bilhete a edifícios públicos, mostrando uma outra forma de ver e pensar a cidade. Para quem trabalha ao sábado, e os percursos de lazer querem-se radiocêntricos ao eixo loja-apartamento, sobra a vontade de visitar um conjunto de “casas” pelo centro.
Edifício Rua Miguel Bombarda, Paula Santos (2015)
A arquitectura é (por agora e ainda) tanto melhor quanto mais poética for, mas é igualmente boa, se for simplesmente, boa. E a Paula Santos, na pré-determinada ausência de poesia que o programa, o lote e o orçamento cortaram, fez apenas, e ainda bem, boa arquitectura. Escolhemos o Prédio da Paula Santos porque nos parecia um toque minimal (como a nossa loja) num rebuscado, artístico e falso-vintage bairro como o nosso. (Continuo com o meu receio pessoal que o minimalismo tenha tido o seu auge e morte nos anos 90, que aquilo que o Siza faz seja apenas poesia e o Souto racionalismo, mas o Pawson e o Dirand ainda fazem minimalismo e a Paula Santos (talvez) também.). Pavimentos em betão, com o corte no sítio certo; paredes brancas, sem rodapé; grandes envidraçados com métricas de aberturas desconcertantes; arrumação prioritária, portas até ao tecto; sol, luz para Miguel Bombarda, calma e tranquilidade para os (ainda) misteriosos logradouros. O Prédio da Paula Santos quis reinterpretar a clarabóia e caixa de escadas da casa-tipo do Porto dos outros séculos. Contemporaneizou a clarabóia e sugou a sua luz para o apartamento de cima e espremeu a caixa de escadas para abirir um corredor interno que permite um a artamento por piso, frente e trás, que faz face à recuperação-tipo t0 com que diariamente e aborrecidamente lidamos por aqui. Destacamos o Prédio da Paula Santos, naturalmente, a bem de uma (nova, pelo menos por aqui) forma de viver e projectar a cidade. Nem sempre os rés-do-chão têm que ser uma loja, mas podem. Às vezes podem ser um escritório, outras vezes habitação. Ou então, os arquitectos, quando donos do orçamento e do programa, podem prever os dois: e esperar que haja um cliente (e basta um) que reconheça o programa e possa cobrir o orçamento. O zero e o menos um do Prédio da Paula Santos procuram uma (outra) forma contemporâea de viver na cidade. O zero e o menos um são para já simulações. O zero é um piso poli-multi-valente, onde charriots e display´s de produto confrontam a parede brancas, onde um dos quartos se transforma em provador e o outro em escritório. O zero é um piso poli-multi-valente para dispor mesas, cadernos, canetas, computadores, onde um dos quartosse transforma em sala de reuniões e o outro em sala de maquetes. O zero é um piso poli-multi-valente para espalhar sofás de leitura, bicicletas contra as paredes brancas, brinquedos e cadernos de colorir pelo chão , onde um dos quartos se transforma em quarto de dormir e o outro quarto de dormir também. O -1 é uma sala-cozinha aberta para um pátio, uma escadaria manual de pedra e um relvado verde. Tem também um quarto de dormir, semi-interior, com luz que vem do piso superior, que por sua vez vem da Miguel Bombarda. O zero e o menos um do Prédio da Paula Santos podem ser (um dos) o futuro da cidade com base no passado da cidade. Viver por cima do lugar de trabalho. Por baixo, neste caso. Fazem falta prédios assim.
Fazem falta programas assim. Contudo, o último piso, aquele onde foi possível ter um tecto de betão e mais luz sugada da clarabóia foi, inevitavelmente, absorvido pelo turismo. E ainda bem, porque os viajantes internacionais precisam de compreender que o Porto também tem outras formas (diferentes) de habitar a cidade e de viver um bairro, e outras formas de comprar produtos globais, mas feitos com as bases de cá, tal e qual o Prédio da Paula Santos.
Referimos que o chão da cozinha era vermelho?
