Evento: Colecção SEM TÍTULO . ATER by scar-id x LIV

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Mas,


I

Interessa-nos particularmente a ideia de um tempo, antes do tempo, que suprimia cerca de cinquenta e nove, a sessenta dias ao ano.
Uma imprecisão de rotações muito conveniente à nossa realidade dos sistemas de consumo.
Consta que Janeiro e Fevereiro, quando foram criados, se colocaram estrategicamente, não no início, mas no fim.
Janus terá sido um deus romano das mudanças, escolhas e transições (graficamente interessante, com duas cabeças, uma a olhar para o passado, outra para o futuro).
Já Februus, sabe-se ser o deus da morte e purificação.

Avaliava-se na última publicação, a propósito da efeméride dos 5 anos da SCAR-ID, a necessidade de um período para parar para pensar.
Terminava-se esse artigo de 13 de Dezembro de 2018 com: mas,
Rapidamente, fomos assaltados pela obvia pergunta vinda de clientes e amigos: mas o quê?
Parecia que tínhamos já preparado um novo caminho e o queríamos esconder, quando na realidade ainda nem tínhamos construído deviamente a pergunta.

Foi um “mas,” de consumo interno – uma hipótese de reflexão, um desejo de charneira para uma outra possibilidade – que foi tornado público por urgência de estímulo.
Na impossibilidade de, como os antigos, se suprimir cinquenta e nove dias inúteis ao ano, tirou-se destes o devido partido: enquanto vírgula que, como Janus, olha simultaneamente para a frente e para trás; como Februus, catártico, a extinguir o irrelevante.
Consta que, estrategicamente colocados no fim, estes cinquenta e nove dias serviam o simples propósito de preparar e anunciar Martius, o deus da guerra e patrono do, verdadeiro, início do ano.

Mas, quando se esperava que os primeiros cinquenta e nove primeiros dias de 2019 (uma habitual nulidade económica diga-se) fragmentados de forma desigual entre reflexão e purga, iriam servir o propósito de epifania reveladora – bem ao estilo da desejada vontade inspiradora – na verdade, resultaram na evidência de que o novo caminho já estava afinal, em andamento, encadeado com tudo o que tem vindo a ser desenvolvido nos últimos cinco anos.

II

Mas, se não se efectivou a emergência de uma viragem de direcção, conclui-se a necessidade de um percurso de regeneração com base num restabelecimento de uma carência.
Sentimos falta do processo criativo.

Mas, o caminho próximo será (re-) construído idiossincraticamente.
Uma proposta para ‘parar para pensar também’ pode ser, tão simplesmente, ler novamente os conceitos de cicatriz e identidade inerentes ao próprio nome do projecto: SCAR-ID.
Perdidos no percurso, nas emergências quotidianas, deixado para segundo plano: é o processo criativo e seu objecto resultante, identitário e exclusivo que se pretende como catalisador do percurso próximo.

Mas, o percurso, este do processo criativo, faz mais sentido acompanhado, ou não estivéssemos há cinco anos a incentivar e envolver outros criativos nas suas próprias buscar individuais.
Revisitando o lançamento de 22 de Setembro, aquando da nossa primeira parceria ATER by scar-id x Patrícia Costa, parece que afinal tínhamos aqui a fundação; e que teríamos já lançado, sem o consciencializar, o percurso que hoje já temos em marcha.

III

Dia 9 de Março apresentamos o resultado dos últimos meses de trabalho.
Algures no percurso lançamos o desafio ao nosso amigo Hugo Veiga, designer da LIV: desenharmos uma colecção ATER by scar-id X LIV.
(Na realidade não se esclarece se o desafio foi lançado, recebido, ou se apareceu espontaneamente com a naturalidade da evidência).
Uma colecção de moda, sem estação, que partiu do preto (ATER) e do gesto da pintura, e seguiu livremente o seu percurso, feito de desenho e de texturas, de matérias, de volumes e de cor, ou ausência de.
Interessou-me particularmente observar, de forma privilegiada a exploração dos confrontos de dois processos criativos distintos: da ATER, desta vez apenas representada pela Sílvia, e da LIV.
De um lado a base da arte e a direcção criativa – curatorial, na conceptualização de um cenário referencial e efectivado na expressão visual e textural; do outro lado um processo de design, apoiado na exploração formal através da manipulação directa da matéria sobre a proporção humana.

No confronto dos processos, a premissa foi sempre uma despretensiosa curiosidade do percurso.
Assisti à naturalidade com que, estratificadamente, as competências de cada parte foram espontaneamente encontrando o seu caminho.

O resultado é uma colecção ATER, peças com um aparente minimalismo que não é mais que um depuramento formal ao conforto e à versatilidade de usos.
O preto material (algum branco como base da expressão) confronta-se com o preto mancha-textura, expressão da acção, ora visceral, ora gentil sobre a matéria.
Curioso foi também observar, no processo criativo de ambos, qual a resposta face a uma alternatividade de métodos: partir de uma pintura para daí extrair um objecto; partir de um modelo estruturado e intervir plasticamente.
Após a imagem conjunta inicial, qual o papel da acção das partes? e qual a resposta quando é trocada a ordem?
Mas há também uma terceira via, onde a expressão do gesto da pintura não é explorado.
No próximo dia 9 apresentamos o primeiro resultado da ‘Sem título’, um colecção que sendo atemporal permite sufixos, constantemente adicionados de acordo com as exigências de um processo contínuo.
Tanto podemos encontrar peças únicas coleccionáveis ou séries de ambição escalável – onde à expectável repetição do molde se acrescenta a irrepetível expressão gestual.

IV

Na mesma publicação, de 13 de Dezembro de 2018, desculpávamo-nos da ausência de evento comemorativo dos cinco anos do nosso projecto, remetendo o mesmo para algures em 2019.
Simultaneamente local e global, a SCAR-ID inserida no circuito urbano do quarteirão de Miguel Bombarda, está activamente presente, em mais uma data de Inaugurações Simultâneas para apresentar a colecção, sem nome, de ATER by scar-id x LIV.
Sem a pretensão de um evento apartado, o próximo dia 9 é então local (Inaugurações Simultâneas), global (Colecção: Sem Título) e particular (5 anos SCAR-ID).
Quando há quase seis anos começámos a pensar este projecto, na nossa cabeça a SCAR-ID sempre foi uma espécie de resistência cultural e criativa, que de alguma forma recusando-o pudesse pertencer à lógica do mercado.
Interessa-nos particularmente esta ideia de um espaço na cidade onde podemos apresentar algumas das coisas que nos apaixonam.
Estes cinquenta e noves dias serviram precisamente para redobrar o nosso desejo o continuar a fazer mas, o tal “mas,” de uma forma cada vez mais nossa, tirando partido do genuíno prazer do processo criativo e do processo das paixões.
9 de Março, 16h.

V

Mas, nestes cinquenta e nove dias também (re-)nasceram outras necessidades.
Se a ATER surgiu da revisitação de um dos nossos inícios – e a SCAR-ID na sequência desse processo – também agora nos apetece voltar ainda mais atrás, a um tempo antes do tempo económico.
Um tempo onde a poética era ainda a única medida de todas as coisas.
Um projecto que, até que faça sentido, será trabalhado apenas na sombra.