Opinião: Joao Batista, a propósito do Dia da Fotografia

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“La photo devient « surprenante » dès lors qu’on ne sait pas pourquoi elle a été prise; quel motif et quel intérêt à photographier un nu à contre-jour dans l’embrasure d’une porte, lávant d’une vieille auto dans l’herbe, un cargo à quai, deux bancs dans une prairie, des fesses de femme devant une fenêtre rustique, un oeuf sur un ventre nu? 

“Une photo est toujours invisible: ce n’est pas elle qu’on voit.” 

“Le premier home qui a vu la première photo a dû croire que c’était une peinture: même cadre, même perspective. La Photographie a été, est encore tourmentée par la fantôme de la Peinture, elle en a fait, á travers ses copies et ses contestations, la Référence absolue, paternelle, comme si elle était née du Tableau…Le «pictorialisme» n’est qu’une exagération de ce que la Photo pense d’elle-même.” 

Roland Barthes,

La Chambre Claire (Note sur la photographie), Cahiers du Cinema, Gallimard, Seuil, 1980. 

Minimalismo abstracto ou realismo de Richter

Complexidade do olhar 

Numa época em que os meios de concepção e reprodução de imagem são tão diversificados e que têm vindo a alterar por completo a nossa relação com a imagem, a obra de João Batista leva-nos a uma reflexão sobre o estatuto da fotografia,  que atravessa a história da pintura e da arte. Levam-nos a pensar sobre a fotografia como se de uma pintura se tratasse (ou o contrário).

Estas imagens exibem um duplo fascínio, pela sua ambiguidade e pela incerteza  do que vemos, recebemos e percepcionamos. A superfície da imagem parece distante e de grande profundidade, numa contemplação do espaço contemporâneo, arquitectónico e expositivo, da nossa relação, como o vivemos, como o experienciamos, como o habitamos ou como fugazmente passamos por ele. 

A primeira vez que tive contacto com a obra de João Batista pensei imediatamente em Hiroshi Sugimoto, mas à medida que vou observando o seu trabalho, penso cada vez mais em Gerhard Richter. 

As séries apresentadas vão do focado ao desfoque total, o nosso olhar pode resgatar um conjunto de memórias ou focar-se num pormenor. O desfoque propositado apresenta-se como uma tentativa de tornar a imagem infinita, numa reflexão sobre o carácter transitório da nossa vivência.

Tal como o autor refere: “Muitas vezes convivemos com pessoas que não vemos, envolvemo-nos em eventos que não percepcionamos, criamos conhecimento de que não tomamos consciência. Sofremos influências que se mantêm desconhecidas, e exercemos outras que não imaginamos.” 

Desde o Século XIX que a fotografia tem vindo a questionar a função descritiva do real através de expressões/linguagens artísticas como a pintura. O mimetismo da pintura foi posto em causa e originou uma grande mudança e adaptação a uma nova era, um novo tempo. Tudo isto leva a pensar que nestas imagens e com estas imagens podemos e devemos reflectir sobre o outro lado das coisas, o lado, a face ou a superfície que não é visível, sobre o nosso olhar, como vemos o espaço, as nossas vivências, as nossas relações com o espaço/tempo e de que forma o percepcionamos e experienciamos.

Esta obra representa e transmite aquilo que não vemos com o nosso olhar desatento e apressado.

Num olhar mais concentrado percebemos que se tratam de imagens concentradas e plenas de reflexão, que parecem pertencer a uma narrativa ainda maior, deixando algumas questões em suspenso. 

Poderemos falar de uma nova mudança de paradigma na fotografia? 

A fotografia revolucionou a pintura e hoje a pintura revoluciona a fotografia, abrindo caminho a novas figurações e a novas representações do real.

Vemos aqui pintura realizada com fotografia através de modelações de branco e preto. Estas imagens apresentam uma indefinição de contornos que realçam a imagem no seu todo. Modelações, arrastamentos que prendem o  nosso olhar, talvez devido ao seu distanciamento e frieza.

As suas imagens reflectem um método rigoroso de observação. Estamos perante um trabalho de grande observação e contemplação, num acto discreto. Sustentado no medium fotográfico onde a nossa percepção e entendimento é tão pictural que facilmente podemos atribuir a uma outra esfera de representação pictórica e conceptual. O meio usado pode tornar-se mais transversal e complexo, depois de um primeiro olhar. Esta transgressão /  transversalidade / abrangência do meio de representação é uma característica muito presente em toda a obra, assim como a atenção meticulosa e profunda compreensão das nuances e da paleta de negros, cinzas e intensos brancos. O “outro lado das coisas” está sempre presente, tanto no espaço arquitectónico, museológico, natural, em presenças isoladas, grupos, espaços de passagem, mas é na série “Lost” e “The Gate” que se torna mais evidente.

Minimalismo abstracto? Vemos uma abordagem conceptual sobre o outro lado, o outro olhar e a outra experiência.

Os espaços fotografados funcionam como uma superfície experimental, onde são trabalhadas manchas de cinza, jogos de luz e blocos negros dados muitas vezes pela presença humana.

Uma das premissas desta obra poderá ser distrair, desconcentrar, deslocar, desfocar os limites do conhecido, o nosso entendimento e leitura daquilo que conhecemos, observamos e acreditamos compreender na sua plenitude? A descaracterização e desfoque levam-nos à duvida. 

Na fotografia a superfície da imagem é invisível, ou pode parecer invisível, na pintura a superfície é fisicamente visível. A obra de João Batista esbate as linhas que separam a fotografia da pintura. 

Sílvia Pinto Costa, Abril 2014