Mostrar arquitectura a quem a quer ver, de forma gratuita e informal. Abrir as portas de edifícios privados ou retirar o bilhete a edifícios públicos, mostrando uma outra forma de ver e pensar a cidade. Para quem trabalha ao sábado, e os percursos de lazer querem-se radiocêntricos ao eixo loja-apartamento, sobra a vontade de visitar um conjunto de “casas” pelo centro.
Casa Breiner 310, César Machado Moreira e Claudia Dias (2015)
antes da visita
O Prédio da Frente apresenta apartamentos gradeados; lajes de piso a cortar antigos vãos; uma pintura cinzenta à pistola que ignorou a pedra; um reboco grosso, descuidado, à talocha; tentou encontrar espaço para 9 apartamentos dentro de uma casca-ruína; criou 4 pisos onde existiam 2; dialogou e/ou ignorou a ruína; transformou a ruína; criou micro-pátios-tipo-jaulas que começam a acumular lixo em frente a apartamentos; partiu do pressuposto de uma nova forma de habitar a cidade dentro de uma antiga forma de habitar. O Prédio da Frente levanta muitos comentários. Foi sempre tema de conversa entre todas as visitas de arquitectos que por aqui temos pela loja, nacionais e internacionais. A arquitectura serve (também) para criticar-comentar os modos de vida e deve ser polémica quando assim o entender.
depois da visita
O programa justifica as opções espaciais.
O programa aplaude a estratégia polémica.
O programa legitima os mecanismos de mimetismo contemporâneo a conceitos típicos: a ilha (contemporânea).
O programa: criar apartamentos interessantes para um público viajante inter-nacional de pouca permanência, num edifício desenhado para não ser mais um, mas um dos mais, na já extensa e aparentemente infinita oferta de alojamento temporário no Porto. A arquitectura deve ser polémica quando entende que é a melhor maneira de resolver o programa-objectivo: valorizar mediaticamente-esteticamente espaços para resultarem em constantes e sucessivos benefícios económicos.
O Prédio da Frente apresenta apartamentos de betão armado, com áreas generosas (para pouca permanência), arrumação e cozinhas a azul turquesa, separação rígida de funções do habitar. Pelo programa acentua o uso (falso-) comunitário, as zonas comuns de passagem-permanência, convívio e contacto (as portas das habitações são de vidro). A cobertura é um solário modernista ou o “logradouro da ilha” lá em cima; zona de jantares sociais, um copo de vinho ao fim da tarde a aproveitar a vista desafogada e a luz necessária que as habitações não permitem.
O Prédio da Frente continua a ter apartamentos gradeados, com pouca luz; vistas interiores para uma tentativa poética de pátio-resto-de-espaço mal iluminado; janelas contra a ruína cinzenta; meias-janelas no meio de antigos vãos; cantarias preenchidas no interior dos quartos; mas à medida que se sobe, como em qualquer outro prédio de qualquer cidade, o espaço vai melhorando, a luz sendo mais forte, as vistas mais desafogada, a ruína tem menor presença; as janelas enquadram outro casario e outras ruínas de outras casas que esta ruína-cinzenta quis filtrar.
O Prédio da Frente vai trazer gente interessante ao Bairro. Vai ter, esperamos, muita procura pela experiência da diferença. Porque o conceito à priori assume apartamentos dentro de uma ruína contemporaneizada, baseados na interpretação contemporânea do modo de habitar das típicas ilhas portuenses. A história funciona. A narrativa foi construída para ser lida, interpretada, criticada, odiada, comunicada, vendida e copiada. O Prédio da Frente é o sítio ideal para um trabalhador temporário, o refúgio de descanso para um dia de trabalho prolongado por um copo ao fim da tarde pela baixa e um jantar arrastado. A cobertura do Prédio da Frente é o lugar de destaque de um fim de semana relaxado do trabalhador semi-nómada. Se o programa fosse outro a crítica seria diferente, mas provavelmente a arquitectura também.
O Prédio da Frente é exercício de arquitectura que vai sobretudo lançar algumas bases para outros desenvolvimentos urbanos. O esquerdo-direito não é obrigatório; a garagem também não; o jardim vai começar a ser na cobertura (já leva 100 anos de atraso); as zonas comuns podem mesmo ser comuns; o conceito de privacidade deve ser revisto; a relação com a rua também; a relação de vida urbana: viver na/com a cidade e não apenas dentro da cidade.
Por vezes, na scar-id store, lançamos também alguns produtos-exercícios que exploram o desafio canónico, que se assumem como tentativas de charneira, cortes conceptuais em direcções inusitadas, que apenas nos querem fazer questionar a evolução vs estabilização do (simplesmente) bom. A intenção está lá, foi feito com cuidado e com perspectiva, agora, estamos cá, em frente ao Prédio da Frente, para usufruir dos resultados.
Recentemente pintaram as letras em baixo relevo da caixa do correio a amarelo.